terça-feira, 19 de março de 2013

O Papa e a "Guerra Suja"/ 16 março 2013




Por mais de uma semana, a mídia tem submetido o público a uma onda da eufórica banalidade  na seleção da Igreja Católica Romana de um novo papa.
Esta interminável celebração  do dogma e ritual de uma instituição que durante séculos tem sido identificada com a opressão e o atraso é carimbada com um caráter profundamente antidemocrático. É o reflexo da virada para a direita de todo o sistema político e seu repúdio aos princípios consagrados na Constituição dos EUA, incluindo o muro de separação entre Igreja e Estado.
Que grande distante distância dos  ideais políticos que animaram os redatores desse documento. Foi opinião bem fundamentada de Thomas Jefferson de que "Em todos os países e em todas as épocas, o padre tem sido hostil à liberdade. Ele está sempre em aliança com o déspota, em  cumplicidade com os abusos do déspota em troca de proteção   própria. "
A visão de  Jefferson — e  o caráter reacionário da cobertura  de bajuladores da mídia — não encontra conformação mais poderosa do que na identidade do novo papa, oficialmente comemorado como um exemplo de "humildade" e "renovação".
Aquele colocado no trono papal não é apenas um outro oponente  linha-dura contra o marxismo, o Iluminismo e de todo o tipo de progresso humano, mas um homem que está profundamente e diretamente implicado em um dos maiores crimes do pós-Segunda Guerra Mundial- a "Guerra Suja" argentina.
Em meio à pompa e cerimônia nessa sexta sexta-feira (15/03/2013), o porta-voz do Vaticano foi obrigado a abordar  o passado do novo Papa Francisco -o ex-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio. Ele negou as acusações contra ele como o trabalho de "elementos de esquerda anti-clericais ".
 O fato de que "elementos de esquerda" tenham denunciado a cumplicidade de líderes da Igreja na "Guerra Suja" travada pela junta militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983 não é de surpreender. Eles  estão entre os  muitos dos cerca de 30 mil trabalhadores, estudantes, intelectuais e outros que foram "desaparecidos" e assassinados, e  entre as mais de dezenas de milhares de pessoas que foram presas e torturadas.
Mas alguns dos mais duros críticos de Bergoglio vêm de dentro da própria Igreja Católica, incluindo padres e trabalhadores leigos que dizem que ele, Bergoglio, os entregou aos torturadores, como parte de um esforço colaborativo para "limpar" a Igreja de "esquerdistas". Uma delas, um padre jesuíta, Orlando Yorio, foi sequestrado junto com outro sacerdote depois de ignorar uma advertência de Bergoglio, então chefe da ordem jesuíta, na Argentina, para parar o seu trabalho em uma favela de Buenos Aires.
Durante o primeiro julgamento de líderes da junta militar em 1985, Yorio declarou: "Estou certo de que ele próprio entregou a lista com nossos nomes para a Marinha." Os dois foram levados para o notório centro de tortura da Escola de Mecânica da Marinha (ESMA) e aprisionado por mais de cinco meses antes de ser drogado e jogado em um bairro fora da cidade.
Bergoglio estava  ideologicamente predisposto a apoiar os assassinatos em políticos  massa  desencadeados pela junta. No início dos anos 1970, ele foi associado com a direita peronista Guardia de Hierro (Guarda de Ferro), cujos quadros, juntamente com elementos da burocracia sindical peronista, foram empregados em grupos de extermínio conhecido como o Triplo A (Aliança anticomunista argentina), que realizou uma campanha de extermínio dos opositores de esquerda aos militares, antes mesmo da junta ter tomado o poder. O Almirante Emilio Massera, chefe da Marinha e líder ideólogico da junta, também usou  estes elementos, particularmente na alienação de bens pessoais dos "desaparecidos".
Yorio, que morreu em 2000, acusou que Bergoglio "tinha comunicação com o almirante Massera, e havia informado a ele que eu era o chefe da guerrilha."
A junta enxergava  a expressão mais mínima de oposição à ordem social existente ou simpatia pelos oprimidos como "terrorismo." O outro sacerdote que foi sequestrado, Francisco Jalics, contou em um livro que Bergoglio lhes havia prometido que iria dizer ao militar que não eram terroristas. Ele escreveu: "A partir de declarações posteriores por um oficial, e mais 30 documentos que eu fui  capaz de acessar mais tarde, fomos capazes de provar, sem qualquer margem para dúvidas, que este homem não manteve sua promessa, mas que, pelo contrário, ele apresentou uma denúncia falsa para os militares. "
Bergoglio se recusou a aparecer no primeiro julgamento da Junta, bem como no processo posterior para o qual foi convocado. Em 2010, quando finalmente se submeteu a um interrogatório, os advogados das vítimas o acharam   "evasivo" e com "mentiras".
Bergoglio afirmou que ele somente  soube após o fim da ditadura da prática da junta de roubar os bebês de mães desaparecidas, que foram sequestradas, mantidas até o parto e, em seguida, executadas, e com suas crianças dadas a famílias de militares ou policiais. Esta mentira foi exposta por pessoas que tinham asído com ele para ajudar a encontrar parentes desaparecidos.
A colaboração com a junta não foi uma mera falha  pessoal  de Bergoglio, mas sim estava relacionada com a política da hierarquia da Igreja, que apoiou os objetivos dos militares e  seus métodos. O jornalista argentino Horacio Verbitsky expôs a  tentativa de Bergoglio tentar esconder a cumplicidade sistemática em um livro que ele mesmo assinou, o qual  editou frases comprometedoras de um memorando lembrando uma reunião entre a liderança da Igreja e da junta em novembro de 1976, oito meses após o golpe militar .
A declaração extirpada incluiu a promessa de que a Igreja "de forma nenhuma tem  intenção de tomar uma posição crítica em relação à ação do governo", pois seu "fracasso levaria, com grande probabilidade, para o marxismo." Declarou a compreensão da Igreja Católica  da "adesão e aceitação” em relação ao chamado Processo" que desencadeou um reinado de terror contra os trabalhadores argentinos.
Esse apoio não era de maneira nenhuma platônico. Para  os Centros de detenção da junta  e tortura foram designados sacerdotes, cujo trabalho era, não ministrar para aqueles que sofrem tortura e morte, mas para ajudar os torturadores e assassinos superar qualquer dor de consciência. Usando essas parábolas bíblicas como "separar joio do trigo ", eles asseguraram aos operadores dos chamados "vôos da morte", em que presos políticos foram drogados, despidos, transportados em aviões e atirados para o mar, que eles estavam fazendo "obra de Deus." Outros participaram das sessões de tortura e tentaram usar o rito da confissão para extrair informações úteis para os torturadores.
Esta colaboração foi apoiada por toda a cadeia de comando a partir do Vaticano para baixo. Em 1981, na véspera da guerra da Argentina contra a Grã-Bretanha sobre as Ilhas Malvinas, o Papa João Paulo II viajou para Buenos Aires, aparecendo com a junta e beijando seu então chefe, o general Leopoldo Galtieri, enquanto não dizia nem uma palavra sobre as dezenas de milhares de pessoas que haviam sido sequestradas, torturadas e assassinadas.
Como Jefferson observou, a Igreja está "sempre em aliança com o déspota", como era no apoio aos fascistas de Franco, na Espanha, a sua colaboração com os nazistas enquanto eles realizaram o Holocausto na Europa, e seu apoio à guerra dos EUA no Vietnã.
No entanto, a nomeação de uma figura como Bergoglio como papa - e sua celebração dentro dos meios de comunicação e círculos dominantes- deve servir como um alerta gritante. Não são apenas os horríveis crimes realizados na Argentina há 30 anos que são tolerados, quem está no poder está considerando profundamente o uso de métodos semelhantes, mais uma vez para defender o capitalismo da intensificação da luta de classes e da ameaça de revolução social.
16 março 2013
Bill Van Auken
www.wsws.org

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